Opinião
Contra a convicção
Reconsiderar qualquer coisa parece um ato contra si mesmo.
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Ayla CedrazParece que a época demanda uma certeza impossível. Há gritos de convicção por toda parte e, quando tudo é grito, meus ouvidos só captam o silêncio. Não que ainda seja possível a neutralidade: o caso é que, para quem não grita, restam os pensamentos, produto de uma massa de ideias incompreensível. E não compreender a si mesmo, se a massa de ideias é tudo o que povoa a cabeça, gera imobilidade.
Reconsiderar qualquer coisa parece um ato contra si mesmo, como se não fôssemos dignos de uma palavra forte o bastante para resistir a qualquer tempo, a qualquer nova informação. Fica-se na espera dos acontecimentos seguintes, no que os jornais vão noticiar, na esperança de que qualquer novo indício fortaleça uma ideia inicial. É quase como um prazer doentio em poder dizer: “eu avisei”.
É o contrário de jogar o corpo fora, o que fazem os que não gritam. Jogar o corpo fora é justamente pôr a si mesmo em um pedestal inalcançável, onde nada pode te obrigar a descer e repensar qualquer coisa. Nesse ponto, raro será refletir sobre uma resposta, porque elas serão dadas por reflexo. Ao indivíduo em questão pode parecer que está solidificando uma ideia que lhe parece verdadeira, mas na verdade está imobilizando a si mesmo, em uma falsa ideia de satisfação intelectual, o que absolutamente não existe.
Hermann Hesse escreveu: “quem quiser nascer tem que destruir um mundo”. Entendo por isso que nada é tão real quanto o que sobra depois de pôr tudo em dúvida. Tudo. Não gritar significa ser uma ilha no meio de um oceano sob tempestade, e a solidão da ilha, quando não desespera, tem efeito pacificador. Quanto ao pedestal dos convictos: se não é possível alcançá-los, não consigo pensar em outra possibilidade além de fazer com que caiam.
Ayla Cedraz estuda Letras Vernáculas e Inglês na Universidade Federal da Bahia. Escreve às segundas, a cada três semanas. jornalismo@destaque1.com
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